Após a realização da cúpula do G20 o presidente Xi Jinping cumpriu uma agenda em Brasília, segundo o Itamaraty, uma continuação da visita que Lula fez à China em abril de 2023 e ocorre em celebração aos 50 anos das relações diplomáticas entre os dois países.
As duas delegações, compostas por ministros de Estado do Brasil e da China, estiveram reunidos para definição de 37 acordos que posteriormente foram assinados pelos respectivos presidentes.
Entre os assuntos que possivelmente foram abordados, e um dos maiores pontos possíveis de cooperação para as duas nações cuja relação é altamente baseada na pauta comercial, está a harmonização dos sistemas aduaneiros.
A implementação de sistemas que se comuniquem de forma mais fluída é essencial para garantir maior agilidade e transparência no processo aduaneiro, problema que pôde ser visto com clareza na questão da famigerada “taxa das blusinhas”. Taxação de produtos chineses comprados em plataformas online por consumidores brasileiros e as implicações disso para as relações bilaterais.
Histórico
Primeiro é importante a realização de uma revisão histórica. O termo “taxa das blusinhas” acabou sendo utilizado para definição, da prática do governo brasileiro, da aplicação de taxas de importação em produtos de baixo valor agregado, principalmente itens de vestuário (por isso o termo “blusinhas”), nos efeitos pós pandemia.
A regra anterior aos controles implementados isentava de quaisquer impostos pacotes com valores declarados inferiores à 50,00 USD onde, remetente e destinatário, fossem pessoas físicas. A partir do ano de 2022, passou a ser aplicada uma taxa de importação de 60% em todos os pacotes vindos do exterior, independentemente de origem, valor ou natureza das partes envolvidas (pessoas físicas ou jurídicas).
Os novos impostos, voltados principalmente para proteção e manutenção da competitividade de produtos nacionais, acabou aumentando consideravelmente os custos ao consumidor final brasileiro, afetando a atratividade dessas plataformas.
Reconhecendo que a tendência inversa tampouco era desejável, o governo brasileiro criou a plataforma Remessa Conforme, onde as plataformas online poderiam se cadastrar e usar o novo sistema para pagamento antecipado dos impostos, acelerando os processos aduaneiros na chegada dos pacotes no Brasil, a eficiência da gestão dos Correios, bem como a transparência no pagamento desses impostos por parte do consumidor. A partir de então e até os dias atuais, as plataformas cadastradas na Remessa Conforme pagam apenas 20% de taxa de importação para pacotes com valores inferiores à 50,00 USD.
Aqui é importante ressaltar que, em nenhum momento, essas medidas foram direcionadas aos produtos chineses por conta do país de origem, sendo medidas públicas com motivações puramente econômicas e não de caráter político.
O impacto das novas taxas.
O mais óbvio e previsível impacto da implementação dessas taxas nos produtos comprados nas plataformas eletrônicas, foi a diminuição no volume total de compras, conforme índice abaixo:
Embora a implementação da plataforma Remessa Conforme tenha auxiliado na recuperação da queda pós implementação das taxas, os níveis não voltaram aos vistos antes de 2022. No outro lado da balança, dado uma demanda constante pelos mesmos produtos do lado do consumidor, houve um aumento da competitividade dos produtos Made In Brazil, cujos produtores também aprenderam e sofisticaram suas presenças nas plataformas de comércio eletrônico durante a pandemia da COVID-19.
O outro impacto sentido foi, logicamente, um aumento no nível de arrecadação por parte da Receita Federal que acaba passando a receber 20% em cima de mercadorias que antes eram isentas de qualquer tributação. Vale ressaltar que além do imposto sobre importação, os pacotes vindos do exterior ainda estão sujeitos à tributação de ICMS no nível estadual, e ambas as taxas incidem sobre o valor no produto no Brasil, ou seja, incluídos o frete e seguro em cima do valor original da mercadoria.
Porque isso importa para a China.
É verdade que os volumes movimentados pelo comércio eletrônico não podem ser comparados com as grandes operações que acontecem entre Brasil e China no âmbito do agronegócio por exemplo, mas elas são um reflexo de uma preocupação muito presente nas discussões internas do governo chinês sobre a criação e fomentação de mercados no exterior para a produção doméstica. Com a economia chinesa em estado de desaceleração, mas ainda mantendo uma grande dependência com o setor manufatureiro, ainda responsável pelo emprego de milhões de chineses, principalmente em áreas fora dos grandes centros urbanos, manter o bom desempenho dessas indústrias é imprescindível para o avanço futuro da economia chinesa como um todo. Sob o cenário de um mercado doméstico aquém do desejado, os mercados externos são a solução óbvia para escoamento dessa produção, e o Brasil aparece como um dos grandes mercados consumidores do mundo.
A segunda razão para explicar o motivo por trás da importância dessas taxas é de natureza política: a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. A confirmação da volta do republicano à Casa Branca, traz à tona a época mais radical das guerras comerciais entre chineses e americanos. Embora as políticas econômicas contra a China tenham começado no governo de Barack Obama e mantidas no governo de Joe Biden, Trump acabou ficando marcado como o tough guy quando o assunto era China, e isso não deve ser diferente no novo mandato dado que a ameaça chinesa talvez um dos poucos, senão o único, assunto em que republicanos e democratas são capazes de atingir um consenso. Na perspectiva de um futuro aumento de pressões econômicas em cima do país, o fortalecimento de laços com parceiros alternativos, que possam amenizar esses impactos, tende a assumir um papel central nas discussões bilaterais.
Perspectivas.
Voltando ao âmbito da aproximação da cúpula do G20 e visita de Estado por parte do Presidente Xi Jinping ao Brasil, é justo assumir que o fortalecimento dos laços econômicos é de interesse de ambas as partes.
O Memorando de Entendimento (MOU na sigla em inglês) assinado em setembro desse ano já traz iniciativas importantes nesse sentido, como o reconhecimento mútuo de operadores econômicos, troca de informações logísticas e declarações aduaneiras e compartilhamento de certificados.
O aumento do nível de incerteza com a eleição de Donald Trump e os fatores presentes no cenário internacional anteriormente, deve empurrar Brasil e China para um fortalecimento da parceria no âmbito econômico, o que é de interesse de todos.
Referências:
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