Com a chegada de mais um aniversário da fundação da República Popular da China (1 de outubro de 1949), a equipe da Lantau decidiu trazer um pouco do panorama da Guerra Civil Chinesa, conflito que resultou na vitória dos comunistas liderados por Mao Zedong 毛泽东 e consequente fundação da China que conhecemos hoje.
Contexto geral
A Guerra Civil Chinesa, ou Guerra de Libertação 解放战争 como é conhecida na China (principalmente sua terceira fase como veremos abaixo), foi o conflito entre 1 de Agosto de 1927 e 7 de Dezembro de 1949 entre o Kuomintang 国民党 e o CCP 共产党 (Partido Comunista da China na sigla em inglês).
O conflito é dividido em três fases distintas:
1927-1937: Aliança entre KMT e CCP contra os coronéis locais da China
1937-1945: Luta conjunta contra o Japão
1945-1949: Pós-Segunda Guerra Mundial
Fase 1: Fim do coronelato
A primeira fase do conflito começou após a morte do fundador da República da China, Sun Yat-sen 孙中山 (1866-1925). Mesmo tendo sucesso na derrubada da Dinastia Qing (1636-1912), o novo governo chinês do partido nacionalista (KMT) ainda tinha um longo caminho para unificação total do país, que permanecia, em grande parte, na mão de líderes paramilitares locais, com suas próprias milicias
. Com a capital estabelecida em Guangzhou 广州 no sul da China, o KMT solicitou auxílio americano para unificação do país, mas sem sucesso. A opção seria a URSS, que retornou com uma resposta positiva, mas articulou uma aliança com os comunistas do CCP, na época apenas um grupo de estudos baseado em Shanghai 上海.
Essa aliança articulada pelos soviéticos ficou conhecida como a Primeira Frente Unida e foi responsável pela Expedição ao Norte, operação que acabou com o coronelato na China e consolidou o poder nas mãos do KMT. Essa campanha militar teve seu início com o Massacre de Shanghai em 1927, onde uma série de líderes comunistas foram executados.
Com a captura de Beijing em 1928, o poder ficou depositado firmemente nas mão de Chiang Kai-shek 蒋介石 (1887-1975).
Uma aliança no papel, a chamada “frente unida” nunca representou uma coesão de valores e projetos de país por desconfiança de ambos os lados: os nacionalistas desconfiavam que os soviéticos estavam usando o CCP para enfraquecê-los por dentro e os comunistas eram contra as políticas de gestão pública aplicadas pelo KMT.
Foi nessa época que ocorreu a famosa Longa Marcha, retirada dos líderes comunistas do centro de poder nacionalista no sul rumo ao noroeste chinês, após o fracasso da aliança e o término da Expedição ao Norte.
Estima-se que foram percorridos 12.500 KM ao todo e que, das entre 90.000 e 100.000 pessoas que iniciaram a marcha, apenas entre 7.000 - 8.000 chegaram em Yan’an 延安 na província de Shaanxi 陕西 que viria a se tornar base central do CCP nas décadas seguintes.
Fase 2: Luta contra o Japão
A fase 1 encerra-se com a assinatura do tratado de Xi’An, que criou, pelo menos no papel, um cessar fogo entre o KMT e o CCP para uma concentração na resistência contra a invasão japonesa, conflito que se iniciou em 1937.
Embora denominada Segunda Frente Unida, uma aliança nunca foi estabelecida entre os dois lados que, a essa altura, já apresentavam divergências estruturais nas suas políticas e valores, impossibilitando qualquer nível de coesão, causando a continuidade do conflito em áreas não controladas pelo Japão.
Houve uma escalada na violência entre 1937 e 1941, quando ambos os EUA e a URSS convenceram seus respectivos aliados a cessarem as hostilidades, pois a continuidade do conflito interno era apenas de interesse japonês, enfraquecendo ainda mais as forças chinesas de resistência.
O CCP saiu mais forte desse período, ganhando apoio popular com suas táticas de guerrilha e evidente esforço de resistir à invasão japonesa, enquanto o KMT, ainda o governo oficial, sofria a maioria das baixas lutando nas linhas de frente principais do conflito.
Fase 3: Guerra de libertação
Com a queda do Japão, os comunistas entram fortalecidos na última fase do conflito, recebendo armamento abandonado pelos japoneses e sob posse soviética, além do nordeste chinês, que passou discretamente de controle da URSS para o CCP.
As políticas de redistribuição de terras adotadas pelos comunistas nas áreas sob seu controle, também fortaleceram seu apoio popular em um momento em que a China era em sua maioria rural e muito pobre.
A terceira fase do conflito foi lutada em muitas localizações de forma simultânea. Aqui vale destacar a Campanha Pingjin, que resultou na conquista do norte da China, incluindo Pequim 北京 pelo CCP entre 1948 e 1949.
O sucesso da campanha, criou a confiança que Mao necessitava para iniciar sua incursão ao sul a fim de unificar o país, mesmo contra as vontade de Stalin, que defendia um governo de coalizão no pós-guerra.
A marcha ao sul foi iniciada e Nanjing 南京 foi capturada em 27 de Abril de 1949, iniciando a sequência de retiradas dos nacionalistas: primeiro para Guangzhou até 15 de Outubro, Chongqing 重庆 até 25 de Novembro, seguido por Chengdu 成都 até a retirada final para Taiwan 台湾 em 7 de Dezembro de 1949, marcando o fim da guerra civil.
Conclusões
Existem muitos fatores que levaram ao sucesso dos comunistas nesse conflito, mas três merecem destaque:
Má gestão e sequência de erros militares por parte dos nacionalistas. O governo do KMT cometeu uma série de erros estratégico militares e apresentava altos níveis de corrupção, com parte de seus oficiais possuindo relações com os invasores japoneses.
Apoio popular à causa comunista. Uma China destruída e faminta viu nos soldados do CCP uma oportunidade para libertação e apoiou a causa comunista, principalmente a partir da segunda fase do conflito.
Fatores internacionais. Também é importante ressaltar que o KMT acabou lutando sozinho suas batalhas, recebendo pouco auxílio externo em um momento onde as grandes potências (leia-se EUA e URSS) tinham seus olhos em outros conflitos.