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Fact Check – Saída de empresas estrangeiras da China

Atualizado: 15 de out.


Desde seu término em 2022, a pandemia da COVID-19 saiu dos noticiários e do cotidiano das pessoas em todo o mundo, mas seus efeitos continuam a repercutir. Entre os temas mais recorrentes no período pós pandemia está a alegada fuga de empresas estrangeiras da China, especialmente no setor manufatureiro.

Empresas mundialmente conhecidas, como Apple, Microsoft, Dell e Nike, foram frequentemente citadas pela mídia ocidental como pioneiras desse movimento de saída da China. Além das gigantes americanas, empresas europeias também têm demonstrado pessimismo crescente em relação ao ambiente de negócios na China, de acordo com a Câmara de Comércio Alemã na China.

Entre as principais motivações para essa suposta "debandada" estão os riscos políticos expostos pela pandemia e as tensões geopolíticas. Esses riscos políticos referem-se principalmente às políticas adotadas pelo governo chinês para controle da COVID-19, como os lockdowns, vistos por muitos na comunidade empresarial estrangeira como arbitrários e imprevisíveis.

Figura 1 – Investimento Estrangeiro Direto de 1970 a 2022 em (de cima para baixo) China, Índia, México e Vietnã. Fonte – Banco Mundial.

As tensões geopolíticas, por outro lado, vão além da China, abrangendo o cenário internacional, que tem se mostrado bastante volátil. Isso pode ser observado nas flutuações cambiais, especialmente em moedas de países emergentes como o Brasil, e nos custos de frete marítimo, entre outros indicadores.

Para mitigar esses riscos, algumas empresas têm optado por transferir parte de sua produção para fora da China. A escolha do novo destino é complexa, mas podemos identificar pelo menos três tendências. É aqui que surgem termos como "nearshoring" e "friendshoring", que ganharam notoriedade recentemente.

O "nearshoring" refere-se à transferência da produção para países próximos da matriz da empresa, sendo o México um exemplo claro de como empresas americanas estão aumentando sua presença lá. Já o "friendshoring" envolve a escolha de países considerados aliados ou não hostis, como os novos compromissos da Apple para montar linhas de produção na Índia. Por fim, algumas empresas optam por países vizinhos à China para minimizar custos logísticos, sendo o Vietnã um grande beneficiário desse movimento.

É importante enfatizar que a decisão de realocar operações produtivas, mesmo que parcialmente, é extremamente complexa e não pode ser resumida apenas a termos como "nearshoring". Esses conceitos servem apenas como símbolos de um movimento mais amplo.

Embora algumas multinacionais tenham optado por reduzir sua exposição ao mercado chinês, as implicações dessa decisão e a escala dessa mudança precisam ser contextualizadas para evitar percepções equivocadas sobre a verdadeira tendência em curso.

Primeiramente, a maioria das empresas que já transferiram parte de sua produção o fizeram de maneira parcial, e em muitos casos, apenas uma fração menor da operação foi afetada. Empresas como Intel, Microsoft e Nike, por exemplo, ainda estão avaliando a viabilidade de tais mudanças.

Em segundo lugar, essa movimentação não indica uma fuga alarmante de capitais da China. De acordo com dados do Banco Mundial, embora a China tenha registrado uma queda acentuada de novos investimentos estrangeiros diretos (IED) entre 2021 e 2022, essa redução acompanhou uma tendência global de queda nos IEDs. Além disso, não houve um aumento significativo nos países que teoricamente se beneficiariam dessa mudança, como México, Vietnã e Índia.

Figura 2 - Total mundial de investimento estrangeiro direto entre 1978 e 2022. Fonte – Banco Mundial

Mesmo com a queda na entrada de novos investimentos, a China ainda registrou US$ 180 bilhões em IED em 2022, um valor expressivo em comparação ao total mundial de US$ 1,79 trilhões. Isso nos leva a algumas conclusões. A primeira é que, embora haja um consenso sobre a necessidade de diversificar as cadeias produtivas, a retirada do parque industrial chinês não está ocorrendo rapidamente, devido à complexidade envolvida.

Originalmente atraídas pelos baixos custos de mão de obra, as empresas multinacionais hoje permanecem na China por razões diferentes. Baixos custos logísticos, diversidade e rapidez na prototipagem são exemplos de como a China construiu um ambiente de negócios único, baseado não apenas em custos, mas também em infraestrutura e escala, dificilmente replicáveis.

Diante disso, como podemos avaliar as tendências futuras da presença estrangeira na China?

Há dois pontos de atenção. O primeiro é o aumento da relevância de mecanismos multilaterais. Com a possível redução da presença de gigantes ocidentais na China, essas empresas precisarão encontrar novos destinos para suas operações, e acordos multilaterais (como RCEP, NAFTA e Mercosul) podem criar ambientes favoráveis para atrair esses investimentos.

O segundo ponto é observar a resposta do governo chinês, que certamente não permanecerá passivo diante desse movimento. Desde o fim da pandemia, a China já adotou políticas mais flexíveis para atrair novos investidores estrangeiros, inclusive revertendo medidas tomadas anos atrás. Outra estratégia em curso é o foco na inovação, visando o desenvolvimento de um parque industrial voltado para novas tecnologias, onde a China pode atuar de forma mais independente, minimizando o impacto da saída de algumas empresas.

Em resumo, embora exista uma tendência de diversificação das cadeias produtivas e uma parcial saída de empresas estrangeiras da China, o movimento é mais complexo e menos acelerado do que muitas vezes é retratado. A China ainda mantém uma infraestrutura produtiva única, e o impacto dessa saída parcial deve ser avaliado com cautela. Ao mesmo tempo, o governo chinês está adotando medidas para mitigar esse movimento, enquanto acordos multilaterais podem desempenhar um papel crescente na redistribuição das operações produtivas.


 

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