Fact Check ā SaĆda de empresas estrangeiras da China
- Lantau
- 2 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de out. de 2024
Desde seu tĆ©rmino em 2022, a pandemia da COVID-19 saiu dos noticiĆ”rios e do cotidiano das pessoas em todo o mundo, mas seus efeitos continuam a repercutir. Entre os temas mais recorrentes no perĆodo pós pandemia estĆ” a alegada fuga de empresas estrangeiras da China, especialmente no setor manufatureiro.
Empresas mundialmente conhecidas, como Apple, Microsoft, Dell e Nike, foram frequentemente citadas pela mĆdia ocidental como pioneiras desse movimento de saĆda da China. AlĆ©m das gigantes americanas, empresas europeias tambĆ©m tĆŖm demonstrado pessimismo crescente em relação ao ambiente de negócios na China, de acordo com a CĆ¢mara de ComĆ©rcio AlemĆ£ na China.
Entre as principais motivaƧƵes para essa suposta "debandada" estĆ£o os riscos polĆticos expostos pela pandemia e as tensƵes geopolĆticas. Esses riscos polĆticos referem-se principalmente Ć s polĆticas adotadas pelo governo chinĆŖs para controle da COVID-19, como os lockdowns, vistos por muitos na comunidade empresarial estrangeira como arbitrĆ”rios e imprevisĆveis.
Figura 1Ā ā Investimento Estrangeiro Direto de 1970 a 2022 em (de cima para baixo) China, Ćndia, MĆ©xico e VietnĆ£. Fonte ā Banco Mundial.
As tensƵes geopolĆticas, por outro lado, vĆ£o alĆ©m da China, abrangendo o cenĆ”rio internacional, que tem se mostrado bastante volĆ”til. Isso pode ser observado nas flutuaƧƵes cambiais, especialmente em moedas de paĆses emergentes como o Brasil, e nos custos de frete marĆtimo, entre outros indicadores.
Para mitigar esses riscos, algumas empresas têm optado por transferir parte de sua produção para fora da China. A escolha do novo destino é complexa, mas podemos identificar pelo menos três tendências. à aqui que surgem termos como "nearshoring" e "friendshoring", que ganharam notoriedade recentemente.
O "nearshoring" refere-se Ć transferĆŖncia da produção para paĆses próximos da matriz da empresa, sendo o MĆ©xico um exemplo claro de como empresas americanas estĆ£o aumentando sua presenƧa lĆ”. JĆ” o "friendshoring" envolve a escolha de paĆses considerados aliados ou nĆ£o hostis, como os novos compromissos da Apple para montar linhas de produção na Ćndia. Por fim, algumas empresas optam por paĆses vizinhos Ć China para minimizar custos logĆsticos, sendo o VietnĆ£ um grande beneficiĆ”rio desse movimento.
Ć importante enfatizar que a decisĆ£o de realocar operaƧƵes produtivas, mesmo que parcialmente, Ć© extremamente complexa e nĆ£o pode ser resumida apenas a termos como "nearshoring". Esses conceitos servem apenas como sĆmbolos de um movimento mais amplo.
Embora algumas multinacionais tenham optado por reduzir sua exposição ao mercado chinês, as implicações dessa decisão e a escala dessa mudança precisam ser contextualizadas para evitar percepções equivocadas sobre a verdadeira tendência em curso.
Primeiramente, a maioria das empresas que jÔ transferiram parte de sua produção o fizeram de maneira parcial, e em muitos casos, apenas uma fração menor da operação foi afetada. Empresas como Intel, Microsoft e Nike, por exemplo, ainda estão avaliando a viabilidade de tais mudanças.
Em segundo lugar, essa movimentação nĆ£o indica uma fuga alarmante de capitais da China. De acordo com dados do Banco Mundial, embora a China tenha registrado uma queda acentuada de novos investimentos estrangeiros diretos (IED) entre 2021 e 2022, essa redução acompanhou uma tendĆŖncia global de queda nos IEDs. AlĆ©m disso, nĆ£o houve um aumento significativo nos paĆses que teoricamente se beneficiariam dessa mudanƧa, como MĆ©xico, VietnĆ£ e Ćndia.
Figura 2Ā - Total mundial de investimento estrangeiro direto entre 1978 e 2022. Fonte ā Banco Mundial
Mesmo com a queda na entrada de novos investimentos, a China ainda registrou US$ 180 bilhões em IED em 2022, um valor expressivo em comparação ao total mundial de US$ 1,79 trilhões. Isso nos leva a algumas conclusões. A primeira é que, embora haja um consenso sobre a necessidade de diversificar as cadeias produtivas, a retirada do parque industrial chinês não estÔ ocorrendo rapidamente, devido à complexidade envolvida.
Originalmente atraĆdas pelos baixos custos de mĆ£o de obra, as empresas multinacionais hoje permanecem na China por razƵes diferentes. Baixos custos logĆsticos, diversidade e rapidez na prototipagem sĆ£o exemplos de como a China construiu um ambiente de negócios Ćŗnico, baseado nĆ£o apenas em custos, mas tambĆ©m em infraestrutura e escala, dificilmente replicĆ”veis.
Diante disso, como podemos avaliar as tendências futuras da presença estrangeira na China?
HĆ” dois pontos de atenção. O primeiro Ć© o aumento da relevĆ¢ncia de mecanismos multilaterais. Com a possĆvel redução da presenƧa de gigantes ocidentais na China, essas empresas precisarĆ£o encontrar novos destinos para suas operaƧƵes, e acordos multilaterais (como RCEP, NAFTA e Mercosul) podem criar ambientes favorĆ”veis para atrair esses investimentos.
O segundo ponto Ć© observar a resposta do governo chinĆŖs, que certamente nĆ£o permanecerĆ” passivo diante desse movimento. Desde o fim da pandemia, a China jĆ” adotou polĆticas mais flexĆveis para atrair novos investidores estrangeiros, inclusive revertendo medidas tomadas anos atrĆ”s. Outra estratĆ©gia em curso Ć© o foco na inovação, visando o desenvolvimento de um parque industrial voltado para novas tecnologias, onde a China pode atuar de forma mais independente, minimizando o impacto da saĆda de algumas empresas.
Em resumo, embora exista uma tendĆŖncia de diversificação das cadeias produtivas e uma parcial saĆda de empresas estrangeiras da China, o movimento Ć© mais complexo e menos acelerado do que muitas vezes Ć© retratado. A China ainda mantĆ©m uma infraestrutura produtiva Ćŗnica, e o impacto dessa saĆda parcial deve ser avaliado com cautela. Ao mesmo tempo, o governo chinĆŖs estĆ” adotando medidas para mitigar esse movimento, enquanto acordos multilaterais podem desempenhar um papel crescente na redistribuição das operaƧƵes produtivas.
ReferĆŖncias: